Tempo de Esperança X Tempo do Profeta Jeremias


Nenhum profeta no Antigo Testamento tem sido tão mal entendido quanto Jeremias. Por séculos ele tem sido conhecido como o homem do rosto triste e dos olhos chorosos. Muitos acham que ele era um indivíduo temperamental e neurótico, uma pessoa desajustada de sua época, um pregador grosseiro que deveria ter desenvolvido uma abordagem psicológica melhor para os problemas do seu tempo. Mas esse tipo de conclusão acerca do profeta somente pode vir de uma leitura superficial do livro,’ e de uma compreensão inadequada da vida e época de Jeremias. Na verdade, quando esse chamado “profeta chorão” é entendido da perspectiva correta, ele desponta como o grande profeta da esperança.
Na realidade, Jeremias tinha uma imensa força interior para continuar nutrindo esperança apesar das adversidades, muito além de qualquer profeta do Antigo Testamento. Embora tivesse a tarefa desagradável de reunir, em um novo compêndio, as advertências de todos os seus predecessores e anunciar a destruição certa e final da sua amada nação, ele conseguia ver; com os olhos da fé, um dia novo e melhor após o julgamento amedrontador. Quando tudo ao seu redor estava escuro como a meia-noite, ele convenceu-se de que havia luz mais adiante. Mesmo diante das profundezas da tristeza tormentosa, seus olhos conseguiam enxergar um horizonte distante onde haveria uma nova aliança e uma nova era.
E verdade que com sua mensagem sombria e pessimista e seus próprios conflitos interiores, ele não era exatamente uma figura atraente. Pessoas que são altamente confiantes em si mesmas e que adoram “o deus do sucesso imediato” só conseguem desprezar pessoas como Jeremias. Essas pessoas, no entanto, apenas mostram sua superficialidade e imaturidade, porque os séculos têm estado ao lado de Jeremias. Ele hoje é conhecido como a maior personalidade da sua época. Pode ter levado tempo para receber o devido valor, “mas seu reconhecimento final é amplo e total”.
A PERSONALIDADE DO PROFETA
Humanamente falando, ao analisar o temperamento e disposição de Jeremias, nenhum homem era menos preparado para essa tarefa do que ele. Somente um Deus que “olha o coração” poderia ter escolhido esse estranho, sensível, tímido e introspectivo jovem para cumprir a gigantesca tarefa de ser “um profeta para as nações”. Isso se tomou verdade principalmente nas últimas décadas do sétimo e nos primeiros anos do sexto século antes de Cristo. Esse foi um período de desarticulação, convulsão política e mudanças para as nações do Oriente Médio. Gentil e compassivo, Jeremias, que amava as coisas simples da vida, foi lançado no redemoinho desses acontecimentos nacionais e internacionais, contra suas convicções e desejos pessoais.
Por natureza ele era muito mais um seguidor do que um líder. Devido a sua natureza meiga e afetuosa tinha muita dificuldade em denunciar o pecado da maneira enérgica e implacável que sua comissão requeria. E precisamente nessas questões que uma tensão quase insuportável desenvolveu-se no seu interior. Ele foi tão completamente humano e amoroso por natureza, e as exigências do seu chamado eram tão inflexíveis, que “suas emoções estavam em constante conflito com sua vocação e seu coração lutava com sua cabeça”. Isso produziu um conflito interior que se estendeu por anos. A intensidade dos seus sofrimentos é refletida em uma série de passagens conhecidas como as “Confissões de Jeremias” (11.18-23; 12.1-6; 15.10-21; 17.14-18; 18.18-23; 20.7-18).
Um dos maiores valores do livro é que Jeremias nos permite ver as suas lutas interiores, a extensão das suas emoções, à medida que busca levar a cabo uma tarefa que corta seu coração. Para seus inimigos e o público em geral ele parece inflexível e exageradamente teimoso. Mas Jeremias compartilha conosco seus pensamentos e sentimentos mais íntimos. Sabemos mais a respeito dele do que de qualquer outro profeta do Antigo Testamento. Nós o vemos nos momentos mais tristes e desesperadores da sua vida, mas também nos seus momentos de exultação e esperança. As oscilações da sua vida emocional podem se tornar doloridas para o leitor, bem como alegres, visto que ele não hesita em expressar cada pensamento que desponta na superfície. Mas é a expressão desinibida dos seus sentimentos que nos intriga. Jeremias mostra exatamente quem ele é. Temos, portanto, o privilégio de ver um jovem imaturo desenvolver-se em um gigante espiritual.
Seu desprazer em anunciar notícias negativas pode ser visto por toda parte, mas seu senso de vocação o impele a continuar profetizando mesmo contra sua vontade (20.9). Embora tenha sido “separado” para um ofício sagrado de uma maneira singular, e tenha recebido a promessa de Deus de que seria como uma coluna de ferro e muros de bronze contra seus inimigos (1.18), seu tenro coração continuava tão despreparado diante daquilo que saiu do “pacote desconhecido” que ele em diversas oportunidades chegou a ponto de esmorecer.
Embora fosse usado de maneira poderosa e abençoado por Deus, ele era humano e precisava trabalhar essas questões em seu interior e orar até que encontrasse descanso para sua alma. Seu espírito sensível erguia sua voz no meio da sua tristeza, e ele não hesitava em queixar-se a Deus da situação desesperadora na qual Ele o havia colocado. Não há pretexto nem fingimento nesse homem. Ele não esconde nada: dor é dor, tristeza é tristeza, a perplexidade e a pressão são horripilantemente reais, e ele não hesita em anunciar a verdade, doa a quem doer. Pode-se dizer dele o que foi dito acerca de Outro, embora de uma maneira diferente: “Ainda que era Filho, aprendeu a obediência, por aquilo que padeceu” (Hb 5.8).
No entanto, são essas lutas interiores que fazem com que muitas pessoas se afastem de Jeremias. Elas querem um herói que nunca duvida de si mesmo, que não tem conflitos interiores, que está sempre confiante, e é constantemente bem- sucedido. Mas nem mesmo nosso Senhor conseguiu satisfazer essas exigências, porque precisou passar noites inteiras em oração, ficou profundamente angustiado no Getsêmani e foi considerado um completo fracasso de acordo com parâmetros humanos de sucesso. Mas, se “coragem é medo expressado em oração”, então Jeremias foi um dos homens mais corajosos de todos os tempos. Ele merece nossa mais alta admiração. Certamente, Jeremias também foi um “homem de dores, experimentado nos trabalhos”. Ele apresenta diversos aspectos do Servo Sofredor (Is 53), cujo ministério e missão são tão perfeitamente retratados na vida do nosso Senhor. Não é de admirar que quando os homens conheceram a Jesus, pensaram que ele era Jeremias (Mt 16.14).

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